terça-feira, 18 de novembro de 2014

A Crise da Razão - Michel Foucault

Mais recentemente, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) estabelece um nexo entre saber e poder. Ao contrário da tradição moderna, pela qual o saber antecede o poder, antes é o poder que gera o saber. Propõe então o processo genealógico pelo qual busca descobrir como a verdade tem sido produzida no âmbito das relações de poder.
Suas investigações se iniciam a partir do exame das condições do nascimento da psiquiatria e pela descoberta de que o saber psiquiátrico não se constitui para entender o que é a loucura, mas como forma de poder que antes propicia o processo de dominação do louco e de seu confinamento em instituições fechadas. Além disso, os mendigos passam a ser recolhidos em asilos e também se tornam um objeto de uma “tática dos mecanismos dualistas da exclusão que separa o louco do não louco, o perigoso do inofensivo, o normal do anormal”.
Concomitantemente ao confinamento, nos outros setores da sociedade iniciam-se, a partir do século XVII e XVIII, os processos disciplinares que visam a tornar os corpos dóceis e submissos. Isso não significa que antes não houvesse disciplina, mas que, a partir daquele momento, ela se torna fórmula geral de dominação exercida em diversos espaços: nos colégios, nos hospitais, na organização militar, na medicalização da sexualidade, nas oficinas, na família. Nesses locais se da o controle do espaço, do temo, dos movimentos, sob um olhar vigilante que se torna introjetado no indivíduo.
A extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo daqueles séculos, sua multiplicação no corpo social, define o que se pode chamar de “sociedade disciplinar”. Dessa forma, desenvolve-se uma “microfísica do poder”, porque, para Foucault, o poder não se exerce de um ponto central como o indivíduo, o grupo, a classe ou qualquer instância do Estado, mas está disseminado em uma rede de instituições disciplinares. São as próprias pessoas, nas suas relações reciprocas (pai, professor, vizinho, médico), que, baseando-se no discurso constituído, fazem o poder circular. Cabe à genealogia investigar como e por que esses discursos se formam que poderes estão na origem deles, ou seja, como o poder produz o saber.
À medida que a burguesia se torna classe dominante a partir do fim do século XVI e inicio do século XVII, a o capitalismo emergente e depois ao processo de produção industrial, interessa essa micromecânica do poder pela qual se exigem formas de disciplina que excluem os incapazes e inúteis para o trabalho – como loucos e mendigos -, e desenvolvem-se mecanismos de controle, a fim de tornar os corpos dóceis e os comportamentos e sentimentos adequados à nova forma de produção.
Diz Foucault: “A burguesia compreende perfeitamente que uma nova legislação ou uma nova constituição não serão suficientes para garantir sua hegemonia; ela compreende que deve inventar uma nova tecnologia que assegurará a irrigação dos efeitos do poder por todo o corpo social, até mesmo em suas menores partículas”.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A Crise da Razão - Antecedentes

Comecemos por dois filósofos que vieram no século XIX, mas cuja influência foi marcante no pensamento do século XX: Kierkegaard e Nietzsche.
Sõren Kierkegaard (1813-1885), pensador dinamarquês e precursor do existencialismo contemporâneo, é crítico severo da filosofia moderna, de Descartes e Hegel. Afirma que nela o ser humano não aparece como ser existente, mas como abstração, reduzido ao conhecimento objetivo, quando, na verdade, a existência subjetiva, pela qual o indivíduo toma consciência de si, é irredutível ao pensamento racional, e por isso, mesmo possui valor filosófico fundamental.

Para Kierkegaard, a existência é permeada de contradições que a razão é incapaz de solucionar. Ao criticar o sistema hegeliano, diz que a dialética não encontra o móvel do seu dinamismo no conceito, mas na paixão, sem a qual o espírito não receberia o impulso para o salto qualitativo entendido como decisão, ou seja, como ato de liberdade. Essa consistência das paixões leva o filósofo – também teólogo e pastor evangélico luterano – a meditar sobre a fé religiosa, como estágio superior da vida espiritual. Ou seja, para ele, a mais alta paixão humana é a fé. Mas ela é, também, uma paixão plana de paradoxos.
Friedrich Nietzsche (1844-1900), por sua vez, opera mais um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para ele, o conhecimento não passa de interpretação, de atribuição de sentidos, sem jamais ser explicação da realidade. Ora, o conferir sentidos é, também, o conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a partir de determinada escala de valores que se quer promover.

Diz Nietzsche: “O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transporta enfeitada, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu o que são, metáforas que se tornam gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”.
A tarefa da filosofia é a de interpretar a “escrita de camadas sobrepostas das expressões e gestos humanos”. O trabalho interpretativo volta-se, em primeiro lugar, para o exame do conjunto de texto metafísico, a fim de desmascarar o modo pelo qual a linguagem passou do nomear as coisas concretas para o sistematizar verdades eternas.
Como método de decifração, Nietzsche propõe a genealogia, que coloca em relevo os diferentes processos de instituição de um texto, mostrando as lacunas, os espaços em branco mais significativo, o que não foi dito ou foi recalcado e que permitiu erigir determinados conceitos em verdades absolutas e eternas. Ao empreender o caráter histórico dos conceitos, bem como dos códigos, esclarecendo sua relação com outros, a genealogia mostra o que eles excluíram para poder chegar à “intemporalidade” da tradição, da autoridade ou da lei. Ao expor a inexistência de significados estáveis, isoláveis, conclui pela ausência de qualquer fundamento rigoroso da verdade metafísica.
Nietzsche mostra, ainda, as origens extra racionais da razão. Para ele, o conhecimento é resultado de uma luta, do compromisso entre instintos. De fato, o destino humano depende da função que ser der ao instinto, aos quais se subordinam a consciência e a moral. No entanto, pelo procedimento genealógico, Nietzsche procura adotar um critério para compreender a avaliação que foi feita desses instintos e descobre que o único critério que se impõe é a vida.

Também Marx adverte sobre os ilusões do conhecimento, sobretudo quando descreve os fenômenos da alienação e da ideologia, pelas quais a “verdades” da classe dominada, impedindo que ela mesma desenvolva sua própria visão de mundo.
Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise, desmente as crenças racionalistas de que a consciência humana é o centro das decisões e do controle dos desejos, ao levantar a hipótese de inconsciente. Diante das forças conflitantes das pulsões, os indivíduo reage, mas desconhece as determinantes de sua ação. Caberá ao processo psicanalítico auxiliá-lo na busca do que foi silenciado pela repressão dos desejos.

sábado, 8 de novembro de 2014

A Crise da Razão - A crise da modernidade e a crítica ao racionalismo

¨Se por evolução científica e progresso intelectual queremos significar a libertação do home da crença supersticiosa em força do mal, demônios e fadas, e no destino cego - em suma, a emancipação do medo - então a denúncia daquilo que atualmente se chama de razão é o maior serviço que a razão pode prestar. 
(Horkheimer)

Chamamos modernidade ao período que se esboça no Renascimento, desenvolve-se na Idade Moderna e atinge seu auge na Ilustração, no século XVIII. O paradigma de racionalidade que então se delineia é o de uma razão que, liberta de crenças e superstições, funda-se na própria subjetividade e não mais na autoridade. Sob esse aspecto, merece destaque a discussão sobre os métodos, presente na filosofia a partir de Descartes, Bacon, Locke, e, no âmbito da ciência, em Galileu, Kepler e Newton.
No entanto, a esperança de encontrar na razão a compreensão da realidade e do sujeito, bem como a possibilidade de agir de forma eficaz sobre a natureza, denominando-a, apresentou-se  como empreitada cada vez mais difícil, senão inviável. Dessa desconfiança nutrem-se pensadores que começam a colocar em xeque o primado da razão e aquele modelo de racionalidade, cuja crítica se delineia no final do século XIX e início do XX.